sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

As meninas

O que duas moças que se conheceram agora conversam após a sessão de cinema? Aonde elas vão? Como elas se olham? Elas se desejam, ou se repelem... elas se querem, ou se envergonham?
Elas escolheram o cinema pra se conhecer, mas como se conhecer vendo um filme? Sem conversa...
Depois do cinema, o dilema. Aonde ir. Não podem ser vistas em público, porque as pessoas vão falar delas, aquelas cosias “olha aquelas duas”... No entanto, não podem se esconder de si mesmas, essa é a realidade. E o que fazer, então? Sentar na calçada pra conversar, descontrair, descobrir?
As mãos sobre as pernas cruzadas denunciam a vergonha, o mau jeito do que fazer. O olhar pra longe, a vergonha de se encarar. O que dizer nessas horas, não sabem paquerar. O que fazer, não sabem como chegar. São meninas. Adolescentes. Como elas vão agir, como um dia poderão se despir com tanta vergonha? Talvez se se agarrassem ali mesmo, na calçada daquela rua escura atrás da igreja, escondidas do crucifixo, do pecado, da imoralidade.
Atrás da igreja, da casa santa. Um beijo quebra o gelo, tira o silêncio, tira o fôlego, tira a língua pra fora... pra dentro da outra boca. Atrás da igreja tanta coisa se esconde. O padre se agarra com a secretária. Com o coroinha. E agora as meninas se beijam, descobrindo o que se tem por debaixo de tanto enigma do que é um beijo...
Escondidas, descobrem o que mais desejavam naquela noite. Descobrem que viver é mais fácil do que parece e que um beijo não acaba com o mundo.

domingo, 27 de novembro de 2011

Um encontro sexual

-Alô, Marcelo?
-Oi, eu mesmo.
-É a Bia, do barzinho de quinta à noite. Tudo bem?
-Oi, Bia, tudo bem, sim e você?
-Melhor agora (risos). Ma, me diz uma coisa: o que você vai fazer hoje à noite?
-Ah, hoje é sábado e acho que vou sair com uns amigos, não aqueles com quem você me viu na quinta, outra galera. Você quer sair com a gente?
-Hum, bacana. Mas na verdade eu queria sair só com você. A gente nem conversou muito aquela noite, gostaria de te conhecer melhor.
-(risos) Bia, eu fico vermelho assim, sou tímido...
-Ah, é tímido? Não parecia tímido na quinta.
-Mas na quinta eu estava com meus amigos e você não me cantou, né?!
-Nada a ver. Você estava todo conversador, alegre.
-Geralmente sou alegre mesmo, tenho bom humor. É que você dizer assim na lata que quer me conhecer melhor me deixou constrangido, sabe. Ou você acha que as pessoas me dão bola o tempo todo?
-Para de graça, que você é um fofo, todo lindo, deve chover mulher no seu pé, implorando pra ficar com você!
-Quem me dera, Bia... Você teve uma impressão errada de mim, então. Acho que vou te decepcionar!
-Isso nunca. Você é tão carismático, tão simpático, inteligente. Quem consegue se decepcionar com um homem assim? !
-Você está pensando que sou O cara rárárárárá. Sou nada.
-Você namora?
-Não, não. Se namorasse, estaria com ela na quinta, né?!
-Ah, não acho. Por que não poderia sair pra beber com seus amigos um dia sem a namorada? Não acho que o namoro deva ser uma prisão...
-Ah, é que é estranho esse lance de sair sem a companheira, né. Se fosse pra sair sozinho, era mais fácil nem namorar!
-Ah, deixa pra lá. Você não namora, então nem vamos discutir isso. (risos)
-É verdade...
A ligação foi interrompida. Bia se desesperou ao perceber que não tinha mais saldo de créditos. Agora Marcelo pensaria que ela desligara apenas porque eles divergiram em uma opinião, que era mal educada. Bobagem ela pensar que ele pensaria isso. Ia esperar e ver se ele retornaria a ligação.
Enquanto isso, Marcelo vivia sua dúvida de tímido: ligar de volta ou não ligar? Esperar ou tomar alguma iniciativa? Para os tímidos, essa parte é sempre difícil, porque em caso de negativa da outra parte, a frustração se amplia em cem vezes. Um verdadeiro pesadelo. Surpreendendo a si mesmo, tomou coragem e discou o número de Bia.
-Bia, sou eu.
-Oi, me desculpe! Que vergonha... meus créditos acabaram.
-Eu imaginei, por isso estou ligando de volta.
-Ai que bom. Fiquei apreensiva que você pensasse que desliguei na sua cara!
-Imagina, você não faria isso, é tão educada.
-(risos) Obrigada. Vamos retomar nossa conversa?
-Ah, não quero discutir minhas preferências do que acho certo ou errado num namoro agora, pra gente não se desentender...
-Não quero mesmo falar disso agora. Quero continuar o assunto do nosso encontro. Eu te chamei pra sairmos só nós dois e a gente estendeu a conversa e você não me deu sua resposta.
-Hum, o convite... Fico meio sem jeito, mas vamos lá: não sei se estou preparado para um relacionamento, é que...
-Marcelo, você é lindo, é um fofo, mas eu não estou falando de um relacionamento duradouro.
-Como assim? O que você quer?
-Eu quero um encontro sexual!
-Eu... Eu... Estou todo vermelho agora, você faz ideia? É que...
-Marcelo, eu imagino, mas vamos superar isso. Você não quer maiores envolvimentos, nem eu. Você é tímido, todo vergonhoso, mas tenho certeza de que gosta de ter bons momentos na cama com uma mulher.
-Ah, isso é claro! Sou tímido mas estou vivo, né?! (risos)
-Bom saber. Então, vem em casa hoje à noite e a gente conversa mais pessoalmente e se diverte. O que acha?
-Ok. Vou, sim.
Combinado o horário e aprendido o caminho (da felicidade daquele sábado à noite), agora Marcelo se torturava, imaginando o que esperar daquilo, de um encontro sexual rápido. Raras situações assim vivera até então, porque a timidez o impedia de ser mais safado. No entanto, sua mente fervilhava de ideias e desejos. Reprimidos, ou esperando a realização. Alguém poderia adivinhar seus pensamentos, quem sabe a Bia?
Uma hora antes do marcado, Marcelo foi para o banho, lavou os cabelos, fez a barba, escovou os dentes como se fosse ao dentista: tudo devia estar perfeito, sem mau hálito, sem barba mal feita, todo perfumado.
Bia, mais calma que Marcelo, mas nem por isso menos cuidadosa com sua beleza. Afinal, se era um encontro sexual apenas, tinha que ser o mais perfeito possível, inesquecível. Um banho pra lavar a cara de pau de quem convidou o moço para um encontro sexual. Curto. Encontro sexual curto. Breve. Poderiam voltar a se ver depois, e certamente o fariam, mas aquele seria rápido, sem envolvimentos maiores do que os esperados para uma gozada.
-Oi.
-Oi, Marcelo. Entra.
-Com licença.
-Pode entrar. Sente aqui.
-Valeu.
-E aí, está tímido ainda?
-Um pouco vergonhoso só. Você está meio quieta também, e isso me deixa tenso.
-Rárárárárá. Relaxa. É que não costumo fazer esses convites para encontros assim, então fiquei um pouco sem jeito, mas já passa.
-(risos) Você hem...
Neste momento, a Bia foi rapidamente em direção ao Marcelo, que estava sentado ao seu lado no sofá, e deu-lhe um beijão, que foi correspondido de imediato pelo rapaz tímido que acabara de perder a vergonha naquele exato momento, e que tinha em mente que aquela noite viveria maravilhas com uma mulher tão sedutora quanto bonita.
Beijavam-se como nunca, como se aprendessem naquele momento o que é beijar e por isso devessem treinar bastante. Tocavam-se na face, nos cabelos, abraçavam-se com desespero de quem morreria na manhã seguinte, ou, de repente, no meio daquela madrugada.
Da safadeza do encontro sexual curto nada restou, a não ser a expectativa de ainda tirarem a roupa. As carícias ficaram firmes, incontroláveis e esperadas a cada beijo, a cada abrir de olhos com encontro de sorrisos. As mãos se entrelaçavam como se pedissem o corpo todo do outro par. As mãos que conduziam a noite, seguravam o rosto para o beijo, apertavam a perna, a cintura, deslizava pelas partes de baixo, de cima. As mãos seguravam o cabelo, só faltava falarem.
-Isso porque era pra ser um encontro sexual rápido.
-Um encontro duradouro, é que virou. Pelo menos hoje não podemos reclamar que nos faltou carinho.
-Encontrei o que precisava.
-Encontrou o que merecia.

Um a menos


Olhava com raiva, como se quisesse dar o bote. Envenenar o mundo acabaria de vez com a frustração de ver tudo se transformando enquanto a sua vida apenas continuava. O mundo precisava morrer, essa era da solução. Tudo virar pó. Nada sobrar desse destempero irritante. Esse excesso de vida, esses risos abusados que denunciam tanta felicidade alheia. Uma questão de justiça: se todos somos iguais perante a lei, por que a infelicidade deveria morar apenas nele?
Não havendo mais dúvida de que o fim era na verdade o início da justiça, passou a preparar-se para o juízo final. Claro que jamais acabaria condenado pela morte de tanta gente, porque usaria o argumento de legítima defesa. Defesa contra a felicidade alheia. Não se podia viver com tanta felicidade assim e ficar impune! Chegava a ser um pecado esse egoísmo todo dos felizes: guardavam para si as alegrias todas enquanto ele sofria as indelicadezas da amargura, os espinhos dessa flor murcha que diziam chamar-se vida.
Como colher flores de um jardim em que só brota coisa ruim? Esse jardim mais exercia o papel sujo da visão do inferno, já que a Terra era cinzas, e a água que o regaria não valia nem como detrito de esgoto. Bons resultados não se podia colher num inferno desse.
Com a certeza que os outros tinham de que suas vidas valiam tanto a pena, ele quis transformar esse valor todo em um fato marcante: um sacrifício geral em apoio à sua mediocridade de vida. Não se tratava de uma vingancinha de adolescente, era como se o mundo lhe devesse desculpas, como se a torneira de esgoto precisasse ser aberta para limpar a caixa d’água. Providenciaria a limpeza do mundo, pelo menos onde pudesse fazê-lo. Assim, todos morreriam, um a um, até que apenas ele restasse, aos prantos, e sem nunca mais poder compartilhar um sorriso.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Nova infelicidade


Num dia de outono quente, atipicamente quente, Roberto chegara mais tarde do trabalho em sua casa. Uma cerveja no barzinho, justificou para si mesmo, já que morava sozinho em uma edícula na periferia da cidade. Esses momentos de cerveja com os amigos eram os únicos em que ele se percebia menos marginal, menos periférico. Eram os momentos de maior dignidade, autoafirmava dele, que se sentia no centro do mundo, incluído na sociedade quando estava nesses bares, restaurantes e choperias da cidade não tão grande, nem tão pequena. Talvez Roberto desse conta, talvez não, de que o tamanho da cidade era definido muitas vezes pelas pessoas residentes. Ele via tantos saltos altos andando pelos bares e refletia, depois de umas cervejas na cabeça, se realmente a altura que o salto trazia correspondia à altura da dignidade daquelas mulheres bonitas, bem arrumadas, maquiadas e com o cabelo impecável.
Uma cidade de tamanho médio, mas que se passava por um grande centro urbano na cabeça de quem acabara de conquistar um salário maior, quase negando sua origem e fazendo parte de um novo modelo de vida: jantar fora, participar de happy hour, comprar no shopping center e outras atividades até então almejadas, invejadas e apenas sonhadas, mas que agora eram realidade, ao menos em parte. Esquecer-se de sua origem. Não esquecê-la, mas negá-la. Era preciso ter mais dinheiro, mas isso não bastava. Uma necessidade de parecer ter mais dinheiro era urgentíssimo. E aquele lindo salto bem alto das mulheres, somado aos demais atributos conquistados, ou forjados, traziam essa aparência imprescindível para causar essa sensação, ou esse sucesso, quase um pedido de reconhecimento que ganhar mais dinheiro requer: não sou mais assalariada, olha bem pra mim. Só não podem descobrir onde moro, porque meu dinheiro ainda não é suficiente para uma casa no centro... E assim seguia pensando enquanto bebia, filosofando no boteco com seus botões já cansados do dia exaustivo, mas altivos pela marca que exibiam.
No outro dia, o celular de Roberto despertou-o às seis em ponto. Tocando o alarme do despertador do celular, já lhe fatigava só de imaginar o percurso até o trabalho. Sentava-se à mesa para tomar o café da manhã, melhorado com o aumento do salário: pão francês amanhecido com margarina e café foram substituídos por pão de forma, geleia, queijo e suco longa vida. O cafezinho tomaria na empresa mais tarde. Após o café da manhã, agora reforçado, um delicioso banho para acordar de vez. No banheiro, um sabonete que não era mais o da propaganda da novela, um creme dental que não era o mais barato e produtos para o cabelo daqueles que não são encontrados nas prateleiras de farmácia. Na parede oposta ao chuveiro, um espelho grande, pelo qual ele se via inteiro, nu, dos pés à cabeça. O tamanho do espelho traduzia o tamanho de sua cobiça pela nova vida: queria tudo, não pedacinhos, mas tudo, o todo, um preenchimento total de seus objetivos tão subjetivos. A grandeza do espelho do banheiro refletia a grandeza do que ele queria ser e, mais que isso, do que ele acreditava ser. O espelho funcionava como uma espécie de salto alto, trazia-lhe uma felicidade clandestina, imensa! Arrumava-se com perfeição. Roupas com etiquetas denunciando suas compras no shopping.
Toda essa arrumação feita, era hora de encarar o desafio: o transporte coletivo. Ele costumava ir para o ponto de ônibus em cima da hora, para não passar tanto tempo em pé, esperando. Ao subir no coletivo, o pensamento unânime dos recém-subidos de salário: preciso de um carro urgente. Não dá pra continuar nessa vida de pegar ônibus lotado, essa coisa... Mas não consigo pensar em uma casa no centro da cidade e no carro ao mesmo tempo. Quer dizer, o saldo bancário que não me permite isso, apesar do aumento. No percurso, a periferia era revista por ele como um momento que ia passar, como se sua alma fosse ser salva do purgatório e ir para o céu. Ele pensava que o caminho do inferno não era parte dele mais e que isso ia mudar.
Havia sobrevivido à viagem torturante feita no coletivo, mas agora se encontrava no lugar que era seu por direito e por natureza: a empresa. Trabalhava em uma sala com ar condicionado, com uma copeira lhe servindo café e água o dia todo. Acostumara-se ao novo estilo de vida, vislumbrava um novo projeto, abandonando suas origens periféricas. Pensava em romper definitivamente com a pobreza e a simplicidade rastejantes de outrora. Estando já na empresa, manter as aparências era fundamental e, para isso, tinha a roupa cara e de marca e, acima de tudo, a pose de sofisticação e a falsa nova moral adquirida. Roberto só reclamava no pensamento, local em que esperava um maior reconhecimento de seu trabalho, sonhando com o carro e com a casa no centro, distanciando-se cada vez mais da periferia: andar de carro seria uma vitória contra si mesmo, seu eu interior, anterior ao eu de agora.
Já não se misturava mais com a massa, com seus vizinhos não bem-vindos. Não porque fossem pessoas ruins, mas porque eram pobres como ele, e lembrar-se disso todos os dias era torturante para quem queria ir tão longe na empresa, na carreira, na conta bancária... Outra vitória seria morar no centro. Além de não ter contato com aqueles antigos vizinhos do velho eu, ainda moraria num local privilegiado, longe dos pontos de ônibus e das discussões anunciadas pelas famílias simples que se reuniam à noite, cujas conversas ele ouvia sem o menor interesse e contra sua vontade. Era o preço de se morar numa edícula: ouvir a conversa da casa da frente e dos vizinhos do lado e dos fundos, todos próximos, quase que entrando em sua casa, ele quase participava da vida de todas essas famílias. No fundo, ele queria era se livrar da solidão e tinha inveja da felicidade dos vizinhos pobres. Queria suprir essa carência com o dinheiro e as aparências de uma vida dita melhor. Encontrou uma nova infelicidade.

William César Ramos Lima
PS: O meu conto acima foi selecionado para a fase estadual do Mapa Cultural Paulista 2011/2012. Ele já estará na antologia do Mapa, e agora espero ficar entre os 5 ganhadores da categoria de conto.

sábado, 5 de novembro de 2011

Triste dor da saudade


Existe uma dor, triste dor, entristecida dor. Transformada em tudo que eu posso querer sentir, em tudo que eu sinto querer para amanhã. É a dor que sinto agora, que senti antes, ela se conjuga em todos os tempos do verbo sentir. Sentirei eternamente. Sentira antes de perceber. Sentiria pouco, não houvesse tanto coração em mim.
Uma dor que sente saudade, que cintila saudade, que brilha um olhar que não brilha mais. Relembra, um reflexo. Sintonia com uma antena que não pega mais na mesma frequência que a minha. Perde-se de si, de mim...
Recebi uma poesia, uma cartinha, que releio, receio não ter mais chance. De ouvir aquela voz me dizendo, me contando, me suplicando uma palavra. Só resta a carta de lembrança, da andança, da mudança. Mudou-se para o além, além do que posso saber onde fica. Se ficar.
Eu imaginava que viveria pra sempre comigo, não que partisse tão cedo. Eu sonhava uma verdade tão real que nunca se acabaria, que acordar do sonho e viver a vida de verdade foi de dor, daquela dor que eu já disse sentir em todos os tempos. Sentir. Ou sonhar. O que vivi foi a realidade, faltou a durabilidade. Assim, com tanto jeito de substantivo, com tanta pompa de que vai durar. Não durou.
O resto que fica é a lembrança que sobra. Não pouca, mas perco a dimensão de onde ela se encaixa agora. Na lembrança, na memória, fica só na história. Mas não sobra porque está a mais. Antes, porque está solta, sozinha, só na cabeça da saudade. Ou a saudade se sente no peito? De que jeito?
Bateu a saudade, mas a saudade não bate. Só o coração que bate, pra existir a saudade, de quem não está mais aqui. A saudade não bate, mas doi, porque você se lembra, mas ninguém acalenta esse coração que sofre com a falta que a saudade traz.
Restaria alguma luz pra eu fazer brilhar você de volta e parar essa afobação toda de ter que escrever pra me aliviar? Uma luz tão forte que seque minhas lágrimas, que me faça parar de chorar feito criança?

PS: Quase um ano sem um grande amigo que se foi pra longe, onde não posso encontrá-lo agora...

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