quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Pedacinho de papel


Não tem preço esse pedaço de papel, papelão, papel de pão. Não se pode vender, não se pode comprar, nada se pode fazer com ele. Nada daquilo em que você pensa, pelo menos. É um pedacinho de papel, sem mais rodeios, sem mais desculpas, sem mais mentiras. É só uma ponta de iceberg, de rocha, de coração. Vai demorar pra abrir esse papel: dobrar, desdobrar, quase não rasgar, cuidado pra não estragar. É só abrir e ler ali, com calma, com vida. Abrir o coração, a mente, a vida. Abrir a janela do mundo, abrir os olhos e ler. Cada letrinha pode ser reveladora, indicar um risco, um contorno, um traço. Esse colorido não é da caneta. Eu usei o coração, pintei com o sangue – metaforicamente falando! – que circula pelas veias. Às vezes, tanto sangue num lugar só causa infarto, porque não tem por onde passar tanto sentimento, entope tudo. Tem uns riscadinhos meio tortos, mas eu não apaguei nada pra não parecer que fiquei ensaiando pra dizer, pra não parecer que foi tudo armado, treinado. Porque não foi mesmo. Os riscadinhos servem pra indicar, pra dizer, pra mostrar, pra falar que é de verdade. Sinceridade. Identidade. Não tem preço dizer que te amo.

domingo, 11 de setembro de 2011

Sozinho e saudade

Não me disse aonde ia. Com quem partiria. Não me pediu a ausência pretendida. Me deixou assim, aqui, sem sei-lá-o-quê. Nem me disse se voltaria, se ainda me amaria, se um dia te reveria. Nada disso me fez te perder da memória, nem te deixar sem história no meu coração. Pois aqui você está, vivendo em mim, regando este jardim, roendo como cupim a minha saudade. Vontade de mais um beijo antes do fim da noite, de dar boa noite e fazer um sorriso. Ensaio mais amor pra quando regressar da sua partida. Saudade não tem fim, não tem começo, não me lembro desde quando, mas sei que eu a sinto dentro do peito, nesse amor que eu ajeito pra quando você voltar.

O final feliz de Alice


Alice é uma mulher meio vesga. Ela não consegue enxergar o lado certo dos homens. Vesga nesse sentido, quero dizer. Ela acredita que vai conhecer um cara tão legal como os daqueles filmes americanos que ela vê, aquelas comédias românticas entupidas de babaquices, de clichês. Ela não enxerga que as pessoas são tão mais normais do que a imagem que ela quer comprar. E pior, ela quer pagar baratinho por tanta perfeição. Só pode ser vesga. Cega não seria o adjetivo apropriado, porque cega não vê nada. Alice vê o que quer achar que vai ver. O problema não são as vesgas fisicamente – pode parecer que quero falar mal das vesgas, mas não é isso. Assim como as estrábicas tem os olhos tortinhos, eu quero dizer que essas vesgas das quais eu falo tem a visão torta, a visão da realidade. Mas também não é só delas que falo. Os vesgos também. Há vesgos aos montes, pipocando do outro lado dessa telinha. Aqueles que acreditam no fim das histórias infantis “viveram felizes para sempre”. Bem, não é que não se possa viver feliz pra sempre, é que nos filmes não costumamos ver como foi essa vida pra sempre feliz, e é aí que o perigo se esconde: quem garante que os percalços que as pessoas enfrentam para a felicidade são insignificantes a ponto de serem desprezados no fim dessas historiazinhas?! Hum... talvez exatamente porque o filme já trouxe uma complicaçãozinha antes do final, que foi superada e deu razão à eterna felicidade do fim. Já pensou que simples: resolvemos um problema só e somos felizes para sempre. Que vida morna, coisa chata, sem alma. E o que se conquistaria a partir de então? Nada mais restando a viver, sejamos felizes para sempre? Piada. Rá rá rá rá rá! Neste instante já nem importa mais se é ela, Alice, se é ele, ou quem é o vesgo ou a vesga da história. Sua vidinha medíocre já está no beleléu e você insiste em enxergar o mesmo fim daqueles filmes de Hollywood. Acorda! Enquanto existir vida, não há final pra se chamar de feliz.

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