sábado, 26 de março de 2011

Desejos, depravações e um pouco de hipocrisia

Mostra na Suécia explora 500 anos de 'desejos e depravações'

(A mostra parece ótima, pena que não está no Brasil)

Claudia Varejão Wallin
De Estocolmo para a BBC Brasil
'Danaë and the shower of gold', de Adolf Ulrik WertmülleExposição mostra como a virtude e o pecado são representados na arte
"Desejo & Depravação" é o tema provocante da mostra que o Museu Nacional de Estocolmo exibe na capital sueca a partir de 24 de março, com mais de 200 obras que ilustram as mudanças na percepção de sexualidade e moralidade através dos séculos.
A exposição vai reunir trabalhos que vão desde o século 16 até a atualidade, explorando os contrastes na forma como a virtude e o pecado têm sido representados na arte em diferentes épocas.
"Queremos que os visitantes tenham as suas próprias interpretações sobre o que é desejo e o que é depravação", disse à BBC Brasil a gerente de divulgação do Museu, Anna Jansson.
"A arte erótica sempre foi produzida por homens e para homens. Quisemos mudar essa perspectiva, e por isso incluímos várias artistas mulheres na parte contemporânea da mostra."
Pinturas de traseiros femininos vão decorar a primeira sala da mostra, em uma referência considerada pecaminosa em outros tempos: os organizadores da exibição observam que, no passado, os valores vigentes rezavam que o sexo, além de restrito ao casamento, exigia contato visual frontal entre o casal a fim de ser moralmente aceitável.
'Satyre and nymph', de Agostino Carracci Artistas faziam insinuações moralistas contra estilos de vida pecaminosos
Vida virtuosa
Uma das montagens da exposição mostra como as meninas eram educadas para viver uma vida virtuosa, a fim de arranjarem um bom marido. Entre os itens em exibição estará um cinto de castidade cedido pelo Nordiska Museet de Estocolmo.
Obras dos séculos 16 estarão representando a rígida moral religiosa do período. Nessa época, muitos artistas pintavam detalhes eróticos em cenas míticas ou bíblicas, em geral carregadas de insinuações moralistas sobre as consequências de um estilo de vida pecaminoso.
No século 18, pinturas de tom erótico eram em grande parte restritas aos aposentos privados dos homens. Até a metade do século 19, os museus ainda enfrentavam dilemas para exibir obras com nuances eróticas. Como observa Anna Jansson, alguns museus chegavam a encomendar folhas de figueira para encobrir as partes íntimas representadas em esculturas antigas.
'Nicklas', de Sara-Vide Ericson/Galleri Magnus Karlsson Obras de artistas mulheres também estão na exposição
Havia, no entanto, uma enorme diferença entre o comportamento que a Igreja pregava para as massas e as liberdades que as elites se davam. A mostra examina a visão das classes altas no século 18, para as quais o casamento era essencialmente uma instituicão social – paixões ardentes eram buscadas com frequência longe da bênção dos padres. (Olha a hipocrisia aí, gente)
A partir do século 19, com a expansão da urbanização e o crescimento das cidades, os encontros sexuais anônimos e a prostituição trouxeram novas interpretações de sexualidade e moralidade.
A visão contemporânea de virtude e pecado estará representada na mostra por obras de artistas suecos e dinamarqueses como Kristina Jansson, Gisela Schink e Lars Nilsson.
"Desejo & Depravacão" estará aberta ao público até 14 de agosto.

BBC Brasil

Língua que discrimina

Acho que devemos refletir sobre o modo adequado e o não adequado de uso da língua. Em primeiro lugar, devemos distinguir a língua escrita da língua falada. Depois, reconhecer as diferenças entre diversas regiões do país, entre as diferentes comunidades/tribos, entre as diferentes classes sociais: de fato, justificar que apenas os padrões linguísticos dos grandes autores é o correto é segregar os comuns, que não são grandes autores. Por outro lado, não devemos fazer apologia à não educação, ao não ensino da língua escrita. É importante que todos tenhamos acesso à história da nossa língua e que saibamos também que há diferentes usos: um modo mais formal em certa situação, outro menos polido. Se todo mundo falasse errado, então ninguém se comunicaria, cada um teria sua própria língua!

Segue um texto para leitura e reflexão

Preconceito que cala, língua que discrimina

Marcos Bagno, escritor e linguista brasileiro, deixa à mostra a ideologia de exclusão social e de dominação política pela língua

Por Joana Moncau*

Marcos Bagno, escritor e linguista brasileiro, deixa à mostra a ideologia de exclusão social e de dominação política pela língua, típica das sociedades ocidentais. “Podemos amar e cultivar nossas línguas, mas sem esquecer o preço altíssimo que muita gente pagou para que elas se implantassem como idiomas nacionais e línguas pátrias”.
O preconceito linguístico é um preconceito social. Para isso aponta a afiada análise do escritor e linguista Marcos Bagno, brasileiro de Minas Gerais. Autor de mais de 30 livros, entre obras literárias e de divulgação científica, e professor da Universidade de Brasília, atualmente é reconhecido sobretudo por sua militância contra a discriminação social por meio da linguagem. No Brasil, tornou-se referência na luta pela democratização da linguagem e suas ideias têm exercido importante influência nos cursos de Letras e Pedagogia.
A importância de atingir esse meio, segundo ele, é que o combate ao preconceito linguístico passa principalmente pelas práticas escolares: é preciso que os professores se conscientizem e não sejam eles mesmos perpetuadores do preconceito linguístico e da discriminação. Preconceito mais antigo que o cristianismo, para Bagno, a língua desde longa data é instrumentalizada pelos poderes oficiais como um mecanismo de controle social. Dialeto e língua, fala correta e incorreta: na entrevista concedida a Desinformémonos, ele desnaturaliza esses conceitos e deixa à mostra a ideologia de exclusão e de dominação política pela língua, tão impregnada nas sociedades ocidentais.
“A língua é um dialeto com exército e marinha”, Max Weinreich
O controle social é feito oficialmente quando um Estado escolhe uma língua ou uma determinada variedade linguística para se tornar a língua oficial. Evidentemente qualquer processo de seleção implica um processo de exclusão. Quando, em um país, existem várias línguas faladas, e uma delas se torna oficial, as demais línguas passam a ser objeto de repressão.
É muito antiga a tradição de distinguir a língua associada ao símbolo de poder dos dialetos. O uso do termo dialeto sempre foi carregado de preconceito racial ou cultural. Nesse emprego, dialeto é associado a uma maneira errada, feia ou má de se falar uma língua. Também é uma maneira de distinguir a língua dos povos civilizados, brancos, das formas supostamente primitivas de falar dos povos selvagens. Essa forma de classificação é tão poderosa que se erradicou no inconsciente da maioria das pessoas, inclusive as que declaram fazer um trabalho politicamente correto.
De fato, a separação entre língua e dialeto é eminentemente política e escapa aos critérios que os linguistas tentam estabelecer para delimitar dita separação. A eleição de um dialeto, ou de uma língua, para ocupar o cargo de língua oficial, renega, no mesmo gesto político, todas as outras variedades de língua de um mesmo território à terrível escuridão do não-ser. A referência do que vem de cima, do poder, das classes dominantes, cria aos falantes das variedades de língua sem prestígio social e cultural um complexo de inferioridade, uma baixo auto-estima linguística, a qual os sociolinguistas catalães chamam de “auto-ódio”.
Falar de uma língua é sempre mover-se no terreno pantanoso das crenças, superstições, ideologia e representações. A Língua é um objeto criado, normatizado, institucionalizado para garantir a unidade política de um Estado sob o mote tradicional: “um país, um povo, uma língua”. Durante muitos séculos, para conseguir a desejada unidade nacional, muitas línguas foram e são emudecidas, muitas populações foram e são massacradas, povos inteiros foram calados e exterminados. No continente americano, temos uma história tristíssima de colonização construída sobre milhares de cadáveres de indígenas que já estavam aqui quando os europeus invadiram suas terras ancestrais e dos africanos escravizados que foram trazidos para cá contra sua vontade.
Não podemos esquecer que o que chamamos de “língua espanhola”, “língua portuguesa”, ou “língua inglesa” tem um rico histórico, não é algo que nasceu naturalmente. Podemos amar e cultivar essas línguas, mas sem esquecer o preço altíssimo que muita gente pagou para que elas se implantassem como idiomas nacionais e línguas pátrias.
Breve histórico linguístico da América Latina
A história linguística da América Latina foi e é marcada por muita violência contra as populações não-brancas, em todos os sentidos, dos massacres propriamente ditos, passando pela escravização e chegando aos dias de hoje com a exclusão social e o racismo.
No caso específico das línguas, as potências coloniais (Portugal e Espanha) se empenharam sistematicamente em impor suas línguas. As situações variam de país a país. Na Argentina, por exemplo, depois da independência, o governo traçou um plano explícito de extermínio dos indígenas, a chamada “Conquista do Deserto”, pagando em dinheiro às pessoas que levassem escalpos como prova do assassinato. Com isso, a população indígena da Argentina, principalmente do centro para o sul, desapareceu quase completamente, e com ela suas línguas.
No Peru e na Bolívia, a língua quéchua, que era uma espécie de idioma internacional do império inca, é muito empregada até hoje, havendo mesmo comunidades mais isoladas cujos falantes não sabem falar espanhol.
No Brasil, o trabalho de imposição do português foi muito bem feito, de maneira que é a língua homogênea da população. O extermínio dos índios fez desaparecer centenas de línguas: hoje sobrevivem cerca de 180, mas faladas por muito pouca gente, algumas já em vias de extinção. Durante boa parte do período colonial, a língua mais usada no Brasil foi a chamada “língua geral”, baseada no tupi antigo, que os jesuítas empregaram para catequizar os índios. Com a expulsão dos jesuítas no século XVIII e a proibição do ensino em qualquer língua que não fosse o português, a língua geral desapareceu. É uma pena que não tenhamos uma riqueza linguística como no México, que possui mais de 50 línguas diferentes, sendo que o nahua é falado por cerca de 1 milhão de pessoas. Ainda assim, essas minorias linguísticas no Brasil estão cada vez mais reconhecendo seus direitos e lutando por eles.
Quanto às línguas africanas no Brasil, elas não puderam sobreviver porque os portugueses tomavam cuidado para separar as famílias em lotes diferentes bem como os falantes de uma mesma língua, de modo que fossem obrigados a aprender o português para se comunicar entre si e com os brancos. Mesmo assim, as línguas africanas, sobretudo as do grupo banto, influíram fortemente na formação do português brasileiro, fazendo com que ele se tornasse o que é hoje, uma língua bem diferente do português europeu.
No Paraguai, como não houve expulsão dos jesuítas, a língua geral empregada por eles, o abanheenga (guarani), permanece até hoje como elemento importante da vida dos paraguaios, que são bilíngues em sua maioria: espanhol e guarani.
Falar errado? Para quem?
Também existe uma ideologia linguística que não é oficializada, mas que ao longo do tempo se instaura na sociedade. Em qualquer tipo de comunidade humana sempre existe um grupo que detém o poder e que considera que seu modo de falar é o mais interessante, o mais bonito, é aquele que deve ser preservado e até imposto aos demais.
Nas sociedades ocidentais as línguas oficiais sempre foram objetos de investimento político. As línguas são codificadas pelas gramáticas, pelos dicionários, elas são objetos de pedagogias, são ensinadas. Claro que essa língua que é normatizada nunca corresponde às formas usuais da língua, sempre há uma distância muito grande entre o que as pessoas realmente falam no seu dia-a-dia, na sua vida íntima e comunitária, e a língua oficializada e padronizada.
A questão da língua é a única que une todo o espectro linguístico, ou seja, a pessoa da mais extrema esquerda e da mais extrema direita geralmente concordam, por exemplo, diante da afirmação de que os brasileiros falam português muito mal. É uma ideologia muito antiga, eu digo que é uma religião mais antiga que o cristianismo, porque surgiu entre os gramáticos gregos 300 anos antes de Cristo e se impregnou na nossa cultura ocidental de maneira muito forte.
Entretanto, ao mesmo tempo em que as classes dominantes diziam que era preciso impor o padrão para todo o mundo, elas não permitiam às classes dominadas o acesso a ele. Havia essa contradição, que na verdade não é uma contradição, mas uma estratégia político-ideológica: “Você tem que se comportar assim, mas não vou te ensinar como”. Isso, para as classes dominantes terem, além de outros instrumentos de controle social, também o controle da língua. É o que Pierre Bourdieu chama de a ‘língua legítima’: as classes dominadas reconhecem a língua legitima, mas não a conhecem. Ou seja, elas sabem que existe um modo de falar que é considerado bonito, importante, mas elas não têm acesso a ele.
O preconceito linguístico nas sociedades ocidentais é derivado principalmente das práticas escolares. A escola sempre foi muito autoritária, muitas vezes as pessoas tinham que esquecer a língua que já sabiam e aprender um modelo de língua. Qualquer manifestação fora desse modelo era considerada erro, e a pessoa era reprimida, censurada, ridicularizada.
Outro grande perpetuador da discriminação linguística são os meio de comunicação. Infelizmente, pois eles poderiam ser instrumentos maravilhosos para a democratização das relações linguísticas da sociedade. No Brasil, por serem estreitamente vinculados às classes dominantes e às oligarquias, assumiram o papel de defensores dessa língua portuguesa que supostamente estaria ameaçada. Não interessa se 190 milhões de brasileiros usam uma determinada forma linguística, eles estão todos errados e o que apregoam como certo é aquela forma que está consolidada há séculos. Isso ficou muito evidente durante todas as campanhas presidenciais de que Lula participou. Uma das principais acusações que seus adversários faziam era essa: como um operário sem curso superior, que não sabe falar, vai saber dirigir o país? Mesmo depois de eleito, não cessaram as acusações de que falava errado. A mídia se portava como a preservadora de um padrão linguístico ameaçado inclusive pelo presidente da República.
Nessas sociedades e nessas culturas muito centradas na escrita, o padrão sempre se inspira na escrita literária. Falar como os grandes escritores escreveram é o objetivo místico que as culturas letradas propõem. Como ninguém fala como os grandes escritores escrevem, a população inteira em teoria fala errado, porque esse ideal é praticamente inalcançável.
Entretanto, isso é muito contraditório, porque os ensinos tradicionais de língua dizem que temos que imitar os clássicos, mas ao mesmo tempo somos proibidos de fazer o que os grandes autores fazem, que é a licença poética. Como aprendemos nas escolas, ela é permitida àquele que em teoria sabe tão bem a língua que pode se dar ao luxo de desrespeitar as normas. A diferença entre a licença poética e o erro gramatical é, basicamente, de classe social. Uma pessoa pela sua própria origem social se dá ao direito e tem esse direito reconhecido de falar como quiser, outra, também por sua origem social não tem esse direito.
Cria-se um padrão linguístico muito irreal, muito distante da realidade vivida da língua. É a partir desse confronto entre a maneira de falar das pessoas e essa língua codificada, que surgem esses conflitos linguísticos. A pessoa, ao comparar seu modo de falar com aquilo que aprende na escola ou com o que é codificado, vê a distância que existe entre essas duas entidades e passa a achar que seu modo de falar é feio, é errado.
Qualquer tipo de imposição linguística acaba gerando um efeito contrário que é a auto-rejeição linguística ou a promoção de um preconceito linguístico por parte das camadas sociais dominantes.
Luta contra o preconceito linguístico
Acabar com o preconceito linguístico é uma coisa difícil. É preciso sempre que façamos a distinção entre preconceito e discriminação. O que nós temos que combater é a discriminação, ou seja, quando esse preconceito deixa de ser apenas uma atitude ou um modo de pensar das pessoas e se transforma em práticas sociais.
Primeiro é preciso reconhecer a existência do preconceito linguístico, conhecer os modos como ele se manifesta concretamente como atitudes e práticas sociais, denunciar isso e criar modos de combatê-lo.
Justamente pelo fato de o preconceito linguístico nas sociedades ocidentais ser derivado das práticas escolares, na minha opinião, o grande mecanismo para começar a desfazer o preconceito linguístico, a discriminação linguística, está também na pratica escolar. É muito importante que a escola, em sociedades letradas como a nossa, permita ao aluno esse processo do acesso ao letramento a partir de práticas pedagógicas democratizadoras, em que as variações linguísticas sejam reconhecidas como prática da cultura nacional, que não sejam ridicularizadas. E é claro que isso tem um funcionamento político muito importante, não só na escola, mas em toda a sociedade.
Por isso que no Brasil, eu e um conjunto de outros linguistas e educadores estamos sempre atacando muito o preconceito linguístico e propondo práticas pedagógicas democratizadoras. Que a criança, ao chegar na escola falando uma variedade regional menos próxima do padrão, não seja discriminada. Nosso trabalho atualmente se centra muito na escola, nos materiais didáticos e na formação dos professores de português, para que não sejam eles mesmos perpetuadores do preconceito linguístico e da discriminação.
Além disso, vale considerar que, em menos de meio século, a proporção mundial entre a população urbana e a rural ficou muito desigual, com a população mundial muito mais urbanizada. A urbanização implica o contato com formas linguísticas de maior prestigio, na televisão, na escola, na leitura etc. Isso vai implicar também uma espécie de nivelamento linguístico. Embora as variedades linguísticas se mantenham, quanto mais pessoas souberem ler e escrever e tiverem ascensão social, é mais provável que haja um nivelamento linguístico maior.
No caso específico do Brasil, nos últimos oito anos, quase 30 milhões de pessoas saíram da linha da pobreza e com isso vão impor também sua maneira de falar. Outro dado muito importante é que a grande maioria das pessoas que se formam professores (de português, principalmente) vem dessas camadas sociais. Portanto, o professor que está indo para sala de aula já é falante dessas variedades linguísticas que antigamente eram estigmatizadas. Isso vai provocar um grande movimento de valorização dessas variedades menos prestigiadas. Estamos assistindo a um momento muito importante da história sociolinguística do Brasil.

*Matéria do Brasil de Fato, reproduzida na Carta Capital

O poder da escrita

Vou reproduzir um texto que escrevi num curso de extensão que estou fazendo online pela UNESP de Marília.  O breve comentário refere-se ao prefácio, capítulos 2 e 3 do livro "História da Escrita", de Steven Roger Fischer. 

Na página 10, o autor Fischer diz que “a escrita se torna a mais moderna máquina do tempo”. Ele está se referindo à possibilidade de podermos reler o que já foi escrito, à possibilidade de sabermos da nossa história com a leitura que os antepassados nos deixaram. Podemos entrar nessa “máquina do tempo” a qualquer momento e saber o que aconteceu no instante em que um texto foi escrito, porque ele é, por si mesmo, a descrição do que procuramos. Entretanto, um texto escrito tem muito das impressões de quem o escreveu, tornando-o pessoal e mostrando um ponto de vista particular. Assim, podemos, muitas vezes, ter acesso a algo da história cujo narrador/escritor pode não mostrar todos os lados da moeda. Na continuação do texto, Fischer diz que “a escrita continua sendo um artifício, um instrumento imperfeito aparentemente modelado, ainda que à primeira vista para reproduzir a fala humana”. Acredito que a escrita não tente reproduzir apenas a fala humana, mas sobretudo o pensamento. Talvez nem a fala consiga reproduzir fielmente o que temos em mente. Falar e escrever são formas distintas de uso da linguagem. Algumas pessoas tem dificuldade em articular a escrita de textos, mas conversam bem.
A escrita é um meio de se comunicar, como a fala. No entanto, o que escrevemos pode ser acessado novamente, ao passo em que a fala acaba no seu instante de produção, a não ser que seja gravada, claro! E é essa característica de reler que faz da escrita uma máquina do tempo: reler é recontar a mesma história várias vezes.
A escrita usando papiro, argila ou pergaminho remonta aos mais antigos registros que conhecemos do seu uso. Atualmente, escrevemos sem tinta e sem papel. Fischer faz uma descrição poética do uso dos computadores: “tinta eletrônica sobre telas de plástico, finas como papel”, e segue dizendo que “a escrita muda à medida que a humanidade se transforma. É uma dimensão da condição humana”. Por isso mesmo, enquanto sociedade que vem se desenvolvendo ao longo de séculos e milênios, a humanidade cria novas tecnologias para suprir novas necessidades. O próprio Fischer reconhece que a escrita era “considerada o caminho para a sabedoria” e que era a “ferramenta perfeita para a ascensão social” por representar a ideologia de um grupo.
Assim como o texto de Fischer cita os diferentes sistemas de escrita, logografia, silabografia e alfabeto, a língua portuguesa, especificamente, teve três períodos de desenvolvimento da escrita: o período fonético (ou arcaico, quando do surgimento da língua portuguesa, do século XIII até metade do século XVI, aproximadamente, em que se escrevia consultando o ouvido, se escrevia como se ouvia, mas sem nenhuma normatização), o pseudo-etimológico (erudição, aproximação da escrita greco-latina, mas também sem nenhuma normatização) e o etimológico (o português normatizado que usamos atualmente, desde 1904, tendo sofrido poucas alterações desde então).
Durante muito tempo a escrita ficou restrita a pequenos grupos, a uma elite de ricos e poderosos. Com o tempo, passou a ser usada por todos, porque era mais fácil uma elite dominar um povo se todos se comunicassem uniformemente. Além disso, com o advento da escrita, o domínio pôde ser mais fácil para além das fronteiras internas, com a imposição da cultura dominante. Pensemos no que os jesuítas portugueses fizeram com os índios no Brasil: alfabetizaram quem não usava a escrita como prova de domínio. Outro exemplo: A cultura literária e científica ficou muito restrita aos clérigos durante um longo período em Portugal, especialmente durante a Idade Média, tendo sido disseminada nos conventos, como o de Alcobaça, a maior livraria medieval portuguesa. Até o século XIII, apenas nesses conventos havia a produção de manuscritos, único meio de reprodução dos livros antes do surgimento da imprensa, e esses documentos eram restritos apenas aos estudiosos desses lugares.
Nesse momento histórico em que o latim era a língua das literaturas, aprendido principalmente pelos clérigos e usado por eles na transmissão de seus ensinamentos e valores religiosos, a formação do reinado português, com todas as mudanças sociais, políticas e culturais instaladas, foi determinante para o surgimento de uma literatura de ambiente citadino, inspirado pelo espírito antifeudal e anticlerical. Diante disso, a Igreja resolveu escrever e divulgar seus textos nas línguas regionais para, a todo custo, custo levar seu conhecimento antes destinado apenas aos clérigos, à população leiga. Foi a massificação do conhecimento religioso que arrebanhou novos fiéis, dando nova dimensão para a Igreja Católica na Idade Média. Livros e mais livros passaram a ser traduzidos, dando trabalho a muitos copistas, que eram responsáveis fazer cópia dos livros, já que naquela época não havia a imprensa. Algo interessante para se observar nessa questão dos copistas é que houve cópia de textos escrita com mudanças na grafia de várias palavras, porque nessa época ainda não existia uma ortografia, uma norma de escrita. A título de curiosidade, o primeiro trabalho organizado que descreve a ortografia da língua portuguesa foi publicado em 1904 por Gonçalves Viana: Ortografia nacional.

O prazer e a culpa

Vou comentar um texto do Contardo Calligaris que foi publicado esta semana na Folha de S. Paulo. Primeiramente, vamos esclarecer quem escreveu o texto abaixo: Contardo Calligaris é um psicanalista. A psicanálise é uma área da psicologia desenvolvida por Freud. Há outras teorias da psicologia além da psicanálise. A psicologia se apresenta como Ciência (tem um objeto de estudo, uma metodologia) embora haja algumas discussões sobre esse objeto, a 'alma', mas isso é outro assunto...
Como psicanalista, acredito que o Contardo queira não discutir se Deus existe ou não, mas ele lida com a questão do prazer e da culpa. Eu não entendo muito de psicanálise, mas vou tentar dizer o que sei sobre prazer (veja, prazer aqui não se refere necessariamente a sexo, mas ao prazer geral, como comer, fazer coisas das quais goste etc.) segundo a teoria de Freud: Todos nós, quando nascemos, buscamos o seio da mãe para nos alimentar, já sabemos o que temos que fazer: mamar. Essa ânsia, esse desejo de mamar e saciar a fome é o prazer inicial, o nosso primeiro prazer, o mamar. O segundo momento de prazer na nossa vida é quando conseguimos ter o controle do esfincter: quando conseguimos controlar nossa vontade de ir ao banheiro, podemos controlar essa necessidade de nos sentirmos aliviados. O mais importante é focarmos no prazer inicial, que é o mamar, o saciar a fome. Ao longo da vida, sempre vamos buscar alguma realização: é a nossa pulsão de vida. Assim que você conquistar algo que almeja, começa outra busca, e assim por diante. O dia em que você não mais desejar nada, será o dia em que você terá uma pulsão de morte, não mais vontade de viver, nenhum prazer mais para realizar.
Todos nós, segundo Freud, buscamos saciar o prazer inicial ao longo da vida, e colocamos nossas energias nessas atividades a que nos propomos fazer. Por outro lado, algumas pessoas buscam esse prazer original de uma forma 'descontrolada', se é que posso dizer assim: perdida, a pessoa come em excesso, se exercita em excesso, ou faz alguma coisa de forma 'incomum'. Inclusive aqueles que só enxergam a igreja, como os evangélicos cegos, ou mesmos católicos, ou mesmo os homens-bomba que matam em nome do Alá (mas no caso dos homens-bomba acho que é diferente, porque eles cresceram aprendendo que aquela é a única verdade, cegos, ignorantes e alienados). Mesmo o beijo, segundo a psicanálise, é uma tentativa de busca do prazer original. Essa busca de 'mamar na mãe' nos persegue para sempre, inconscientemente.
Como mais de 90% das pessoas do planeta não são atéias (acreditam em Deus, em algum Deus, em alguma entidade, força superior etc.), é inevitável tratar da culpa e do prazer sem falar em Deus.
Particularmente, não vejo a contradição que alguns possam enxergar no texto, se quiserem dizer que o autor fala que Deus existe mas que nega que ele possa agir em nossa vida : "No fim do primeiro milênio, cada vila europeia vivia no medo de bandos errantes. Quando eles se aproximavam, o povo se reunia na igrejinha e rezava. Isso não impedia nem saques nem estupros. O que pensar quando os bandidos iam embora? Deus não nos protege porque não existe? Deus existe, mas não dá a menor para a gente? Devia triunfar a versão que conciliava o desastre com a existência de Deus: o próprio Deus mandou os bandidos para nos punir de nossos pecados.". Veja que ele está descrevendo o que faziam as pessoas no primeiro milênio da era cristã: quando se aproximavam esses bandos errantes, as pessoas iam para a igreja e rezavam, e 'mesmo assim' não conseguiam evitar roubos e estupros. Conseqência: "se meus prazeres culpados são a causa dos males, (...) bastará modificar minha conduta de modo que minhas ofensas sejam perdoadas". O próprio autor deixa claro: o homem é que age e que muda sua conduta. A nós, que acreditamos em Deus, sabemos que Ele nos ilumina. Mas, em última instância, não podemos nos esquecer de que temos o Livre Arbítrio: a escolha final do que fazer sempre será nossa, agir ou ficar parado esperando... Por exemplo, se algo bom nos acontece, o que dizemos? "Graças a Deus". Ou não é assim que nos comportamos? E quando uma desgraça acontece, como uma tragédia natural? É importante refletirmos sobre isso, porque dizer que as desgraças acontecem com quem não reza e não crê me parece, isso sim, contraditário: por que tanta gente que reza e crê morre em situações terríveis, sofrem tragédias etc.? Não podemos oferecer respostas simplórias para assuntos tão complexos. Há inúmeras possibilidades sobre o que refletirmos, e essas muitas possibilidades me agradam de um tanto...
Segue o texto do Contardo:

CONTARDO CALLIGARIS (Folha de S. Paulo)
O prazer e a culpa

Os jovens são levados a pensar que é só frustrando seus próprios desejos que ganham o amor dos adultos


ADMIREI A reação dos japoneses diante do desastre -terremoto, tsunami, contaminação nuclear. Nas declarações oficiais e nas palavras das vítimas, a catástrofe é apenas um acidente: pode haver responsáveis por falhas na prevenção, na segurança ou nos socorros, mas a catástrofe em si não tem sentido algum. Será que nós, ocidentais, seríamos capazes da mesma atitude? Não sei.
A peste assolou repetidamente a Europa do século 14 ao 18. A primeira grande epidemia, de 1347 a 1352, matou um quarto da população europeia. Para que o horror não induzisse ninguém a pensar que o universo era sem sentido, duas reações populares: 1) perseguir judeus e bruxas, supostamente responsáveis pelo contágio, 2) juntar-se aos flagelantes, penitentes que erravam pelo continente se fustigando até o sangue.
Para o flagelante, a peste era um castigo pelos pecados do mundo; portanto, punir-se por eles talvez fosse o jeito de tornar a peste desnecessária.
Naqueles quatro séculos, a Europa se cobriu de igrejas que eram construídas como oferendas para que a epidemia se acalmasse; nelas, homens e mulheres faziam promessas, pedindo para serem poupados.
Ainda hoje, na calamidade e no medo, a promessa que acompanha o pedido feito a Deus ou aos santos sempre propõe uma renúncia: o pedinte se engaja a se privar de algo, do sexo ao chocolate. Funciona assim: 1) meu prazer e meu gozo são sempre culpados, 2) portanto, qualquer mal que me assole se explica como punição de minhas culpas, 3) a renúncia aos meus prazeres pode me redimir e estancar a punição.
Como chegamos a fazer esse estranho uso dos prazeres, ou melhor, da renúncia aos nossos prazeres? Três respostas, não excludentes (e insuficientes).
1) Bem ou mal, educar implica conter, impor frustrações e renúncias. Com isso, a aprovação dos educadores sempre parece proporcional à aceitação das renúncias pelos educandos. Ou seja, os jovens podem ser levados a pensar que é só frustrando seus próprios desejos que eles ganham o amor dos adultos.
2) No fim do primeiro milênio, cada vila europeia vivia no medo de bandos errantes. Quando eles se aproximavam, o povo se reunia na igrejinha e rezava. Isso não impedia nem saques nem estupros. O que pensar quando os bandidos iam embora? Deus não nos protege porque não existe? Deus existe, mas não dá a menor para a gente? Devia triunfar a versão que conciliava o desastre com a existência de Deus: o próprio Deus mandou os bandidos para nos punir de nossos pecados.
3) Talvez seja menos angustiante viver num mundo que faz sentido do que num mundo que não teria sentido algum. Por exemplo, como é que você aguentaria o pensamento da morte futura sem o conforto da ideia de que ela está incluída numa ordem cósmica ou num plano divino?
Infelizmente, esse conforto tem um custo alto, pois o jeito mais fácil de garantir a existência de um sentido do mundo consiste em me atribuir a culpa por todos os males. Ou seja, minha culpa e meu esforço para me redimir "provam" que existe uma ordem (justamente, a que eu ofendia quando me entregava a meus prazeres).
Corolário: se meus prazeres culpados são a causa dos males, não preciso responder "adequadamente" às calamidades, bastará modificar minha conduta de modo que minhas ofensas sejam perdoadas.
Além de dar sentido ao meu mundo, a culpa me oferece a ilusão de agir de maneira eficaz: como o flagelante, posso esperar que minha renúncia ao prazer suspenda a punição. De repente, doenças e catástrofes talvez parem diante de minha conduta meritória. Em vez (ou além) de procurar as condições de prevenir um terremoto ou de debelar um câncer resistente, rezarei noite e dia e me fustigarei em penitência. Se, de qualquer forma, o terremoto vier ou o câncer triunfar, será porque não me açoitei o suficiente.
Pois bem, não acredito que, em nossa cultura, esse bizarro uso dos prazeres e da culpa tenha mudado substancialmente nos últimos sete séculos. Continuamos fundamentalmente inimigos do nosso prazer.
Prova disso: há, hoje como no século 14, bandos errantes que denunciam nossos tempos "hedonistas" e nossa voracidade por prazeres e gozos. São os flagelantes verbais: criticam o prazer para fomentar a culpa. É o jeito (custoso) que eles acharam para dar sentido ao mundo.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Devaneio de uma noite de outono

Eu estava entorpecido naquela noite gelada. Não era um torpor pelo frio, menos ainda pelas drogas que eu não uso, era reflexo de uma vida toda. Eu estava paralisado, tranquilizado. Acho que eu sonhava naquele momento, porque parecia tudo incrível. Eu estava deitado no colchão, sendo velado, observado quietamente. A conversa parecia distante, longe lá no fundo. Me lembro dos rostos, dos sorrisos nossos. Ficamos conversando, conversando... O tempo não era mais um tigre, era uma estátua no jardim. Fazia Tic e custava a vir o Tac, longamente, para meu prazer e para a manutenção dessa foto que trago na memória. Ficamos juntos tanto tempo, com abraços, beijos - era muito carinho, coisa de cinema! Era uma cena rara: deitados no colchão, eu sendo observado e ouvindo: como você é lindo... Acho que sonhava acordado, um devaneio. Fecho os olhos e revejo aquele momento todo de torpor, de amor, do calor que me aqueceu naquela noite fria...

Trilha sonora: Wish you were here, da Avril Lavigne

sexta-feira, 18 de março de 2011

Histórias pra contar

Há algum mistério nesse olhar. No movimento desses cabelos com o vento. Há algo a descobrir em você. Ou você se esconde, ou resiste... Há uma certa firmeza nos seus riscos, nos seus traços há uma exatidão. Para uma descrição, narração de uma emoção. Há algum mistério nesse olhar, um amor pra conquistar, um abraço pra apertar. Há medo nesse olhar, ou apenas uma incerteza (daquelas que todos nós podemos ter quando acordamos e pensamos: será?) relutante que te faz expressar esse ar de mistério? Há um carinho nessa mão, que traça firme sobre a folha em branco: um toque de amor, de aconchego. Há uma força nesses braços que envolvem: a força da paz, como se oferecesse uma bênção - ou como se a pedisse. Quando abertos, esses braços parecem enormes, mas ao abraçar, fechando-se, ficam pequenos porque juntam os dois corpos num só instante, numa só luz, o mais apertado possível, inseparável e indizível. Há uma suavidade na sua voz, um doce que fala da vida, do dia: 'o bom na vida é ter histórias pra contar'. Quero recomeçar a minha história, quer ser protagonista comigo? A gente pode desvendar esses mistérios juntos, descobrir novas histórias pra contar. A gente pode escrever um livro. Com gravuras, figuras, desenhos. Pintados, em preto e branco, riscados. A gente pode escrever uma história de duas pessoas, ou duas histórias que uma hora se encontram, num daqueles capítulos que lemos ansiosamente esperando o resolver de tudo. Queria descobrir o mistério desse olhar e viver esse capítulo ansioso pra sempre, sem chegar ao fim do livro, a não ser com final feliz.

terça-feira, 15 de março de 2011

EUA e as experiências desumanas

Traduzo abaixo um texto que li hoje no site do jornal espanhol El País e que me deixou muito inconformado com a brutalidade com que os EUA tratam pessoas, ainda que sejam presos por terem cometido algum crime e, pior ainda, se forem pacientes com problemas mentais ou órfãos. É a barbárie - sim, os EUA não governam pessoas, o Governo americano é ele mesmo o bárbaro. Eles governam dinheiro e poder. Deveriam, por isso mesmo, chamar-se Estados Unidos dos Bárbaros.
Segue o texto:

Apresentada uma demanda contra os EUA por experimentos com sífilis na Guatemala

Tradução: William César Ramos Lima
Fonte: El País

Cerca de 700 prisioneiros, soldados, pacientes mentais e órfãos procuram uma compensação financeira pelos problemas de saúde desenvolvidos pela doença

EFE - Washington - 14/03/2011

Centenas de guatemaltecos submetidos a experimentos com sífilis pelos Estados Unidos na Guatemala na década de quarenta do século passado apresentaram hoje uma demanda em Washington contra o Governo à procura de indenização. A ação coletiva, segundo o escritório de advocacia Parker, Waichman e Alonso que os representa, procura uma compensação financeira pelos problemas de saúde desenvolvidos por cerca de 700 prisioneiros, soldados, pacientes mentais e órfãos em razão dos experimentos.
Os representantes legais haviam dado o prazo de até sexta-feira passada para que o Governo norteamericano estabelecesse um processo de compensação fora dos tribunais para as pessoas que “foram adversamente afetadas por este experimento”. Como não obtiveram resposta, apresentaram hoje a demanda. O outro escritório de advocacia envolvido na demanda coletiva é o Conrad and Scherer.
A ação judicial se deu depois que, em outubro de 2010, havia sido divulgada informação sobre os experimentos com sífilis feitos sem a permissão ou o conhecimento das pessoas afetadas. Naquela ocasião, tanto a secretária de Estado, Hillary Clinton, como a da Saúde, Kathleen Sebelius, criticaram tais experimentos e divulgaram uma desculpa pública. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, também pediu desculpas telefônicas ao seu homólogo guatemalteco, Álvaro Colom, e ordenou a criação de uma comissão especial para estudar os aspectos éticos dos estudos médicos internacionais.
Entre 1946 e 1948, cientistas norteamericanos contaminaram deliberadamente os sujeitos dos experimentos com o vírus da sífilis para provar a eficácia da penicilina contra essa doença. Segundo documentos judiciais, a equipe de médicos norteamericanos persuadiu funcionários em orfanatos e em prisões da Guatemala para que permitissem os experimentos em troca de equipamentos como refrigeradores e remédios para o tratamento da malária e da epilepsia.
Em alguns casos, os médicos ofereceram cigarros a alguns dos sujeitos que aceitaram participar dos experimentos e os presos foram infectados por prostitutas. A demanda compara os experimentos na Guatemala com um estudo feito em Tuskegee (Alabama), que começou em 1932 e durou 40 anos, período no qual os médicos observaram o avanço da sífilis em cerca de 400 homens afroamericanos já infectados por essa doença.
Esses homens nunca foram informados de que haviam contraído a doença venérea e nunca foram tratados, mesmo que tenham sido submetidos a exames médicos gratuitos, tenham recebido alimentos e cobertura de gastos fúnebres. Na ação pelos experimentos em Tuskegee, as vítimas foram indenizadas.

Tradução: William César Ramos Lima
Fonte: El País

terça-feira, 8 de março de 2011

No país das quinquilharias do Leo

Hoje vou dedicar meu post a um novo amigo, também blogueiro e poeta. Vou apresentar-lhes o Leo. No país das quinquilharias é o blog dele. Vale a pena conferir. De cara, eu me senti atraído por esta poesia AQUI:
[...]

É doce seu beijo,
Me desnudo para recebê-lo.
Como é doce seu beijo
Quando deito na cama,
encabeçando os travesseiros.
É doce o beijo que nos transborda
para dentro.
A pele é uma fronteira mais pacífica
Quando seu beijo encontro
Em bocas imprevistas.


Achei linda a imagem da pele como fronteira pacífica da fricção que os corpos provocam. Um esfrega da paz, não da guerra, mas dos gritos. De prazer, não de dor. Um beijo que transborda pra dentro (da boca do outro).  Em meio a tantas guerras, tanta violência presente no nosso cotidiano, ver essa luta pelo amor, pela sensualidade faz relembrar esses momentos sensuais que vivemos. Esses encontros que fazemos na busca do prazer: cada encontro deve nos trazer marcas - boas ou ruins - que, de algum modo, vão nos ajudar na construção de quem somos.

A você, Leo, minha homenagem de hoje!

quinta-feira, 3 de março de 2011

Sonhos e frustrações de uma mocinha

Eu queria ter a sorte de encontrá-lo na rua. Aquele moço bonito que conheci outro dia, assim, sem querer. Nessa andança todo dia na hora do almoço, no caminho para o restaurante. Às vezes vou para uma lanchonete ou para um café. No caminho vejo tantas lojas que chamam a atenção - ou pela cor da vitrine ou pela bagunça que se mostra! Eu queria ter dinheiro para fazer esses móveis planejados. Como os da vitrine. Ficariam perfeitos na minha nova casa. Fui sorteada no programa do governo. Ganhei uma casa. Não ganhei, porque vou pagar, mas ganhei o sorteio. Terei que pagar pela casa! Com prazer. E com meus móveis planejados... Ficará linda...
Passando na frente do laboratório, fiquei com medo de pegar o exame. Transei com o ex várias vezes sem camisinha. Deu até um arrepio agora. Grávida não estou, porque tomo pílula. Pelo menos. Amanhã penso em retirar esses resultados. Não quero ser sorteada nesse exame! Esse não é o tipo de sorteio que nos dá prêmios. Na verdade nem é um sorteio. É uma escolha - não escolhemos a contaminação, mas escolhemos a não prevenção... Caso sério, vive dando na TV, o Ministério da Saúde sempre fala pra usar camisinha... Mas a gente é boba, acha que aqueles homens lindos são imunes a todo mal, inclusive dessas doenças. Eles nos enganam, ou nós nos enganamos, com tanto elogio, tanto amor que nos mostram... Só depois descobrimos que são sem-vergonhas, que querem apenas nos levar pra cama, sem amor, sem roupa, sem nada. Nem com a camisinha. Eles nos ganham com um papo que nos faz sentir deusas, as mais belas, lindas e gostosas. Gostosas. Aí traçam, comem, devoram. Nosso sexo, nosso corpo, nossa alma. Lá se vai toda nossa saúde. Sem camisinha. Lá se vai a esperança de comprar os móveis planejados. Sem dinheiro, sem vontade de viver. Não vou mais procurar as vitrines depois de adoecer. Condenada. Chega com essas ideias. Deixa eu ir almoçar. Amanhã vejo o resultado do exame.

Páginas