domingo, 22 de abril de 2012

Inútil

Não sabia que não poderia fazer tudo quanto quisesse. Pensava que a vida apresentada seria sempre igual, comigo ganhando. Lucrando com a vantagem de ser sempre superior, caminhando pelos "s" tortuosos por onde só eu conseguia andar. As palavras que tentavam me convencer não surtiam efeito, como se estivessem vencidas, ou como se fossem placebos. Mais inutilidade, apenas no modo como me descrevem agora. Me transformei naquilo que eu ignorava: inúteis eram aquelas palavras comigo... Me resta apenas - e sempre o que resta é a inutilidade que sobra -, falar comigo mesmo sobre uma vida que não aconteceu.

domingo, 8 de abril de 2012

Porta aberta


O portão estava aberto. O portão do prédio estava aberto. E eu entrei. E eu fechei o portão quando entrei. Suava frio, um tanto nervoso, com medo, ansioso. Subi as escadas. Térreo. Um lance de escadas. Primeiro andar. Pensei que seria mais pra cima. Segundo lance de escadas. Segundo andar. Acho que falta mais um pouco. Terceiro andar. A porta estava aberta, nem pude confirmar o número do apartamento. A luz acesa e a porta aberta. Deveria ser ali. Bati na porta. Chamei. “Entra”, veio em resposta. Fechei a porta. Tranquei a porta, porque essa não podia ficar aberta mais. Abrira-se para mim, mais ninguém. Naquela noite. Não sabia bem o que esperar, como dizer oi, sei lá. Demos as mãos, e ganhei um selinho: “Oi”. Fascinei. Conversamos, falamos da vida, dos dias, das noites. Do sono, da falta de dormir. Das conquistas mais recentes, das histórias mais tristes, dos abandonos e das carências. Falamos de nós, ouvi mais. Havia algo diferente naquilo. Pensemos. Portão aberto. Porta aberta. Beijo como oi. Era só chegar. Bastaria estar lá que tudo aconteceria. Parecia. O mundo fluía. E se eu voltasse lá outro dia e não fosse mais o mesmo lugar, a mesma pessoa, a mesma porta? Se fosse para fluir, tudo seria diferente. Não. Eu não voltaria depois. Eu participaria desse fluir de rio, eu estaria no rio, não voltaria para vê-lo depois. Pronto. Era isso mesmo. Me agarrei em seus cabelos e nadei, não me afoguei. Sigo até agora os caminhos que suas águas comandam. Espero não chegar a destino algum ainda, continuar nesse nadar contigo me segurando, me protegendo, me comandando. Águas que se parecem turvas às vezes, que se agitam tanto outras vezes. Águas que lavam as tristezas, que me tiram das profundezas da solidão. Águas que ameaçam me afogar, parece, só para terem o prazer de me salvar... Águas que desaguam no mar, mas o mar é tão imenso, que nem sei se quero chegar lá. Posso me perder de você, encontrar a porta fechada e não te ter mais para abri-la.

"me agarrei em seus cabelos, sua boa quente pra não me afogar... tua língua correnteza, lambe minhas pernas como faz o mar... eu que não sei quase nada do mar, descobri que não sei nada de mim"

sábado, 7 de abril de 2012

Meu eu que ama


Eu quero te amar. Seu abraço me protege, me acolhe, me faz sentir-me seguro, amado, querido. Você me faz sentir. Isso basta. Eu gosto muito do modo como você conversa, do seu sorriso de meninão levado. Eu me prendo ao seu cheiro, me lembro de suas mãos todo o tempo, porque elas me tocam, eles não pedem passagem, elas são avassaladoras, teimosas. Faz ano que gosto de tudo isso em você. Quem sabe um dia ouça um eu te amo dessa boca que me beija loucamente? Mas tanto carinho já deve demonstrar isso... eu me prendo a formalidades, quando simplesmente nosso laço já existe. Mas a não oficialização me parece sempre ser a porta aberta para você sair e dizer que nunca disse que seria diferente. Morro de ansiedade. De amor. Morrer tem tudo a ver com a paixão. Tanto sofrimento, tanta insegurança, tudo é agora, aqui, tudo somos eu e você. ‘Você é um homem mais velho que eu, gosto dos mais velhos’. Sou? Gosta? Sim. É indizível quão cativante você é. Ou estou cego demais, carente demais e me amando de menos. Mas não acho que seja esse o ponto na minha vida agora. Eu converso com você pelo toque, pela língua. Sinto um desejo de te ver todo dia, de te abraçar a todo instante. Não quero pegar no seu pé, apenas abraçar... Há tanto na vida com que se preocupar, por que alguém se preocuparia tanto com abraços? Apenas abraços... Seus abraços, afinal! Os que me fazem sair do planeta, viajar como super-homem. Viver intensamente. O que seria isso? Permitir-se o amor? Viver um amor por dia, ou um por mês? Como deixar acontecer, se já está acontecendo? Nossa vida já está no gerúndio. Vivendo. Indo. Amando. Sofrendo. Abraçando. Beijando. Estamos sendo o tempo todo. Deixar acontecer e viver intensamente é poder fazer o que se quer o tempo todo? É não se apegar, não criar vínculos? Impossível. Se nos conhecemos, nos relacionamos, já estamos ligados de alguma forma. Seus braços já te marcaram no meu corpo. Já estou me moldando ao seu carinho. Suas mãos já são bem-vindas sem medo nos meus cabelos. Se eu não te vejo no escuro, consigo te ouvir, te cheirar, te lamber, te morder, te tocar. E assim te recebo na falta de luz. Amor não se implora. Ou não se deveria implorar por algo tão básico, mas tão escasso. Não é o momento certo? Como assim?! Há uma bondade imensurável quando se permite o amor. Há uma vida nova que nasce dessa brasa. Não deveria dizer essas coisas, mostram minha fraqueza. Mesmo? Entregar-se significa fraqueza agora. Sim, sou bem fraquinho, mesmo. Um papelzinho que se molha e se desmancha. Inútil. Não tenho culpa de me apaixonar por um abraço tão envolvente, que me seduz. Culpa? Não gosto de fazer as coisas e sentir culpa. Faço porque quero. Tudo que eu quero, inclusive dizer tudo que quero e parecer tão... fraco. Você pode levar tudo da minha vida. Meu amor, meus abraços, meu sorriso, minha vontade de acordar, minha inspiração para lutar cada dia, minha companhia no sofá, na cama, no café, na bebida. Você pode levar o seu cigarro embora também. Você pode tirar tudo de mim, até as esperanças de reviver um amor e de me ver sorrindo para mim mesmo no espelho. Você tem esse poder, se quiser. No entanto, uma coisa, apenas uma você nunca me privará de reviver: minhas memórias. E elas incluem tudo o que eu sou e tudo o que você me é. Pode levar tudo, dizer que é para meu bem, ou para o seu próprio. Que precisa de um momento egoísta, pensar em si. Eu não ligo. Também penso em mim mesmo, por isso que digo sem medo que tenho essa paixão toda dentro de mim. Declarar-me é também pensar em mim, porque não consigo viver com tanto sentimento me sufocando, preciso dividir esse rolo compressor que me abate com quem estiver por perto, inclusive com você. Esta é uma declaração que talvez você vá saber, porque eu a fiz para você de outro modo. Isso aqui é outra coisa. Isso sou eu falando com meu eu.

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