segunda-feira, 23 de maio de 2011

Capitalismo para os pobres, socialismo para os ricos

Franklin Cunha *

Gore Vidal disse, certa vez, preferir morar em Ravello na costa Amalfitana, do que viver nos Estados Unidos, onde os pobres viviam no capitalismo e os ricos, no socialismo. E explicou: enquanto 80% da população disputam os 20% da riqueza do país, numa luta encarniçada e sem quartel por empregos, saúde, educação, moradia, aposentadoria — isto dentro das regras de um capitalismo neoliberal pós-keinesiano e da política laissez-faire e ao arbítrio da mágica mão do mercado, os 20% dos donos dos poderes, num verdadeiro regime socialista, distribuem entre si os 80% do PIB restante da nação.
A virada do capitalismo social e includente para o brutal e excludente foi representada, em suas bases teóricas, na Sociedade Mont Pèlerin, fundada na cidade suíça do mesmo nome em 1947. Seus idealizadores foram economistas como Frederick Hayek, Karl Popper e Milton Friedman, Ludwig Von Mises, Joseph Schumpeter entre outros, que se propunham a defender o liberalismo clássico, a liberdade de expressão, o livre mercado e os valores políticos de uma sociedade aberta. Os “manuais operacionais” da Mont Pèlerin foram os livros “O caminho da servidão”, de Hayek, de 1944, e “A sociedade aberta e seus inimigos”, de Karl Popper, de 1945. As ideias básicas desses textos eram que a atividade empresarial deveria ser deixada livre, sem amarras para governar o mundo como bem entendesse.
Muito desse purismo vinha de Hayek, o guru de Milton Friedman, líder da escola econômica da Universidade de Chicago, o qual em tons severos dizia que qualquer envolvimento governamental na economia seria capaz de lançar a sociedade no “caminho da servidão” e, portanto, deveria ser implacavelmente extirpado.
Nos anos 50, os sociaisdemocratas e os keynesianos dos países ricos comemoravam uma série de histórias de sucesso em vários países que adotaram as políticas econômicas da escola de Chigago e da turma de Mont Pélerin. O laboratório mais avançado do desenvolvimento era o Cone Sul da América: Chile, Argentina, Uruguai, o sudeste brasileiro e seu epicentro foi a CEPAL, de Raul Prebisch, que treinou diversas equipes de economistas desenvolvimentistas para atuarem como assessores dos governos da região. Durante esse período de expansão espetacular, o Cone Sul parecia mais a Europa do que o resto da América Latina.
E o que receitavam esses assessores? Em primeiro lugar os governos deveriam abolir todas as regras e regulamentações que se interpunham no caminho da acumulação de capitais. Em segundo, deveriam vender todos os ativos que possuíam e que poderiam ser administrados com lucro. Em terceiro, deveriam cortar drasticamente os fundos destinados aos programas sociais. Além disso, os impostos deveriam ser baixos, taxando os ricos e pobres na mesma proporção. As corporações ficariam livres para vender seus produtos para todo o mundo e os governos deveriam ser impedidos de proteger as indústrias de seus países. Todos os preços, inclusive o dos salários, seriam definidos pelo mercado, e o salário mínimo, abolido. Friedman e seus sequazes ainda ofereciam à iniciativa privada os serviços de saúde, de correios, a educação, os transportes, as aposentadorias e até a água e os parques nacionais.
Enfim, a contrarrevolução da Escola de Chicago pretendia eliminar todas as formas de proteção que os trabalhadores haviam conquistado por meio de lutas antigas e sangrentas e e queriam explorar com lucros de mercado todos os serviços públicos nos quais o Estado havia investido com recursos da população trabalhadora. Tudo isso tinha a finalidade de aparar as agudas arestas do mercado.
Assim, no entendimento de Friedman, toda essa riqueza deveria ser compartilhada e, como princípio, passada às mãos da iniciativa privada. E apara atrair investimentos, os governos do Cone Sul publicavam caros anúncios nos principais jornais dos Estados Unidos e da Europa nos quais declaravam explicitamente, e sem qualquer pejo, que “poucos governos da história foram tão encorajadores para os investimentos privados. Estamos atravessando uma verdadeira revolução social; procuramos parceiros que ajudem a nos livrar do estatismo e que nos auxiliem a demonstrar o imprescindível papel do setor privado” (anúncio da ditadura argentina na Business Week).
Já sabemos como terminou a atuação dos economistas da escola de Chicago através das políticas econômicas do FMI, do Banco Mundial, da Organização Mundial do Comércio, dos bancos e de outros organismos neoliberais. Na realidade foi um outro e gigantesco golpe financeiro ao estilo do que Bernard Maddof aplicou em investidores de tudo o mundo que acreditaram nele.
As fantásticas quantias de capitais não controlados e a ruptura das estruturas reguladoras, exerceram um impacto de grande escala sobre a economia mundial. Assim, chegamos a uma situação na qual, como diz Joseph Siglitz, “fomos envolvidos por uma mistura tóxica de interesses especiais, políticas econômicas mal-orientadas e ideologias da direita política as quais desembocaram na atual crise global. E alguém como Michael Moore falou “curto e grosso”: “Fomos vítimas de um gigantesco roubo planejado e executado por banqueiros, economistas, políticos e seus acólitos neoliberais”. E agora não há dinheiro estatal que chegue, pois conforme Slavoj Zizek “a solução dos graves problemas da maioria dos países em quebra é o uso de medidas socialistas para salvar o capitalismo”.
Daí a justa e lúcida afirmação de Gore Vidal que abre este texto.


* Médico


SUL 21

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