segunda-feira, 26 de julho de 2010

Nem por decreto: pela liberdade da língua portuguesa

Certa vez, participei de uma discussão sobre “defender a língua portuguesa na publicidade, nas artes etc.”. Estavam querendo uma lei que “protegesse” a língua, com previsão inclusive de multa para quem fizesse publicações com “erros de português” e proibindo o uso de estrangeirismos. Uma primeira discussão que poderia surgir é a do preconceito linguístico, a do uso excessivo da gramática como norteadora das nossas relações linguísticas, sem se levar em conta as questões pragmáticas, por exemplo. Entretanto, meu enfoque não vai ser este.

Acredito que respeitar a língua é fundamental para sua manutenção, bem como para a preservação e disseminação da cultura de um povo. Não podemos nos esquecer, entretanto, de que a publicidade tem por objetivo convencer. Não acredito que a publicidade se utilize tanto de erros como pareciam querer apontar. Aliás, gostaria que tivessem me mostrado exemplos de erros de português em textos publicitários para discutirmos, mas não mostraram.

Sobre os estrangeirismos, não concordo com o que disseram. Os estrangeirismos são uma forma de enriquecer a língua, porque eles são o resultado da "apropriação" pela língua de um termo estrangeiro e, quando isso ocorre, essa nova palavra passa a fazer parte da língua, e a constar dos dicionários, e, consequentemente, a "funcionar" de acordo com sua norma. Um exemplo é a palavra XEROX, que, na verdade, é uma marca, mas estrangeira de qualquer forma. Quando nos referimos a "fazer cópias reprográficas", dizemos XEROCAR. Como podemos observar, o verbo está no infinitivo como os verbos AMAR, BEBER, SORRIR. O estrangeirismo não é o uso de um idioma em detrimento de outro. Como já disse acima, é a "apropriação" de um termo estrangeiro pela língua materna. Assim, se um termo já está dicionarizado e já segue as normas da língua portuguesa, ele é incorporado por esta, deixando de ser um termo estrangeiro.

O que a pessoa queria discutir, então, seria a dominação linguística e cultural, e não o estrangeirismo. Se antigamente o francês era a língua dominante, após a Segunda Guerra o inglês passou a sê-lo. E, sendo a língua dominante, a cultura em língua inglesa (mais propriamente a cultura norte-americana) passou a ser a dominante também. Outro ponto interessante é que nós nos sentimos (e somos) fortemente influenciados pelos EUA porque estamos na América. Tem-se que levar em conta que na Europa não é o inglês americano que se ensina na maioria dos países, porque lá existe o Reino Unido e outros países falantes da língua inglesa que já o falavam antes. Sobre a dominação linguística, realmente não podemos utilizar um idioma estrangeiro em detrimento do nosso, mas isso não quer dizer que tenhamos que nos alienar em relação à língua de maior uso nos negócios internacionais: o inglês.

Aprender a língua portuguesa corretamente (e não apenas o uso gramaticalmente correto, mas perceber as possibilidades e flexibilidades da nossa língua) é fundamental para uma boa formação cultural sólida de qualquer brasileiro, mas saber uma segunda língua é fundamental para se ter sucesso profissional em um mundo globalizado e cada vez mais competitivo. Não são raras as matérias em jornais que abordam exatamente esse assunto: há muitas vagas de emprego que não são preenchidas por falta de mão-de-obra qualificada, e isso em qualquer nível de escolaridade, inclusive a falta de conhecimento de uma segunda língua.

É nesse contexto que acredito na liberdade de uso da língua. Nós a construímos diariamente. Não é um decreto que vai fazê-la ser mais nacional ou mais norte-americanizada. Não é desse tipo de proteção que precisamos, precisamos que o português seja ensinado na educação básica para que possamos ter acesso à literatura em língua portuguesa compreendendo as figuras de linguagens, as (des)construções artístico-poético-literárias, além de podermos fazer uma leitura mais intertextual de cada obra ou texto a que temos acesso.

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